quarta-feira, 27 de abril de 2011

Papagaios de faca na liga


O papagaio aciganado, mais conhecido por Lello, é uma ave de faca na liga que normalmente esvoaça sobre as estrumeiras à cata de tudo o que mexe. Grande, míope e desajeitado, onde quer que surja, faz sempre estragos. Trata-se de um papagaio cor-de-rosa, sem maneiras, habituado a escarafunchar no lixo para sobreviver, e há muito que é estudado por um grupo de cientistas que procura descobrir se tem cérebro ou caca de galinha na cabeça. Ignorante quanto baste para exercer cargos em associações de malfeitores, o dito Lello já esteve ligado à área da máfia desportiva, embora actualmente se dedique mais à participação em concursos de flatulência, onde dá largas à sua tendência para descarregar em cima dos adversários e, se for caso disso, dos papagaios da sua própria espécie. De resto, uma das suas particularidades é, com alguma frequência, alçar as patas para expelir gases sobre os seus correligionários. Que o diga, por exemplo, a sua amiga Ana, a quem se referiu como uma senhora excitada, pior que um rottweiler à solta, ou que o diga o poeta alegrete, que considerou um papagaio sem carácter.
Mas, o comportamento do Lello tem uma explicação plausível. Em tempos que já lá vão, e numa voz de peru embriagado – quando ainda sonhava com uma carreira de trovador de meia tigela –, ele próprio refere o bairro da lata onde viveu marcado pela sorte ingrata. Por isso, e tendo em conta a sua origem social, é possível perceber os seus princípios e porque não desculpar algumas das suas baboseiras? Até porque nem tudo é verdadeiramente mau quando analisamos friamente este animal coberto de penas. Basta atentar na sua extraordinária sensibilidade, quando, de forma destemida, se atira à palavra, em frases de grande exaltação estética, para arrancar das entranhas poemas como aquele que fala dos olhos que morrem alguém peixe seco das maresias, ou daquele que, de forma ternurenta, dedica ao Miguel:
[…]
la, la, la, la, la, la, la, la, la, la …
choro quando tu choras
eu sonho quando tu sonhas
porque sou pai de ti, Miguel
porque sou pai de ti, Miguel
la, la, la, la, la, la, la, la, la, la …
Que eu estou voando por ti, Miguel
[…]

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