quinta-feira, 30 de junho de 2011

Os papagaios regressaram à capoeira

Os papagaios regressaram à capoeira e o seu cacarejar deixou a passarada completamente de bico aberto e com as asas agarradas às penas da cloaca. Afinal, remetidos os empenachados cor-de-rosa para a plateia da oposição, os passarinhos esperavam alegremente ter-se libertado do pesadelo que os perseguia há vários anos e alimentavam a expectativa de poderem voltar a sonhar com uma floresta protegida das aves de rapina. Mas, com o corte de 50 por cento do milho reservado para as comemorações do nascimento do criador imposto logo na primeira intervenção cor-de-laranja, pintassilgos, canários e outras aves de porte mais frágil perceberam que o chilrear de faca na liga vai continuar a manter-se como a cantiga nacional e que o melhor que têm a fazer é arribarem para outras paragens ou prepararem-se para os voos rasantes à capoeira para expelirem a sua revolta sobre os novos empoleirados. E é pena. É pena porque as aves, completamente depenadas, já não aguentam mais; e é pena porque se esperava uma mudança de política zoológica nacional mais radical e com mais imaginação.
Teme-se que a redução da ração de milho, das pevides e de outras sementes indispensáveis no menu da bicharada venha a constituir uma verdadeira catástrofe para a preservação das espécies. E teme-se que os urubus se mantenham à espreita.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Papagaios que insistem em não abalar


Os papagaios andam mais calados, mas duvidamos que alguma vez se calem. Os cor-de-rosa andam murchinhos, e com razão. Foram apeados do poleiro e perderam o seu leader, que está a fazer a mala para voar ao encontro da meditação sobre a origem e destino das aves de rapina. Por sua vez, o Seguro (que morrerá de velho sem lá chegar?) procura no galinheiro garantir o prémio que cubra os estragos das eleições no Zoo e o São Francisco Assis, imbuído da sua fé, empenha-se na reunião de todas as aves depenadas pelos novos ventos dominantes, e promete-lhes o Céu e a terra, mas também o perdão dos seus pecados e a renovação da esperança. Quanto aos cor-de-laranja, ainda em estado de graça e aparentemente serenos no bater de asas, descalçaram, sem grandes prejuízos, a nobre bota onde começaram por meter as patas e, de momento, aproveitam para cacarejar pouco porque não há tempo para abrir o bico.
A passarada está expectante, algumas espécies, erradamente, acham até que os urubus foram definitivamente rapinar para outras bandas e começa a ouvir-se um ligeiro mas esperançoso chilrear das aves canoras.
Mas, nesta Primavera tardia, há papagaios que insistem em não abalar, mantendo um ruído insuportável, descabelado e até ofensivo para a inteligência das outras aves, em canais mal sintonizados com as novas ondas hertzianas que cobrem o espaço do zoo. É o caso do Emídio, um depenado orelhudo, que não pia uma para a caixa, que nunca se percebeu porque lhe deram autorização para abrir o bico e que continua a ser chamado para cantar de galo no festival da TV pública.
O prós e contras é necessário manter-se porque o contraditório alimenta e dá saúde à democracia, mas está na hora de calar alguns destes indigentes, que já não é possível ver e ouvir sem vomitar. Há que abrir um novo espaço a bicos jovens, desenferrujados, mais inteligentes e menos conotados com gurus e liturgias que passaram à história. E também há Fátimas que já pregaram o suficiente e que bem podiam voar para outras paragens, porque não se sentiria a sua falta nem a dos seus convidados habituais.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Sócas o papagaio filósofo


O Sócas, após ter sido corrido do poleiro, decidiu meditar sobre o que correu mal no seu desempenho como primeiro papagaio. Sentado à frente da máquina do tempo, olhou o buraco negro que deixou atrás de si, e, de início, não foi fácil perceber a razão da sua sentença de morte. Incrédulo e magoado com a condenação, mas convicto das suas virtudes, ao contrário do seu homónimo grego, optou por fugir para um convento, em Paris, tal como já haviam feito os seus antecessores - um para Bruxelas e o outro para os confins do mundo dos refugiados.

A maiêutica socrática, que tão bem tinha resultado durante anos, designadamente ao convencer a passarada a não ter dúvidas sobre os seus argumentos e as suas teorias de que era capaz de fazer de um jardim arruinado o paraíso, embateu na parede de uma democracia que nunca foi capaz de aceitar e que, de resto, sempre considerou uma hipocrisia aristocrática.

Sem nunca ter tirado um curso, a não ser o das novas oportunidades que a universidade independente vendeu a muitos cucos irresponsáveis, Sócas tomou a grande decisão da sua vida: regressar aos livros para estudar teologia e tentar descobrir as razões porque se tornou num sofista de retórica fácil; porque se recusou sempre a respeitar os preceitos morais, bem como as regras que determinam a justiça das relações políticas e sociais; porque guiou sempre, e apenas, o seu comportamento de acordo com as suas conveniências mais mesquinhas; e, finalmente, porque nunca foi capaz de entender que a sua própria ignorância só o podia conduzir até à dita sentença de morte.

Antes de partir, com uma lágrima marota no bico, ainda teve tempo de se despedir dos papagaios cor-de-rosa com um sentido “adoro-vos”, que é como quem diz: até ao meu regresso. Quanto à passarada, apesar de condoída com o seu afastamento voluntário, espera que estude muito; que no fim dos seus estudos vista o hábito e o capuz de franciscano e que, definitivamente, vá pregar para um zoo longínquo.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Ana papagaio brilha no tiro ao alvo


As eleições no Zoo terminaram num vendaval que deixou os papagaios cor-de-rosa completamente depenados, e alguns deles, os que fizeram tudo o que estava ao seu alcance para não serem arrancados do poleiro, acabaram mesmo degolados. Pode dizer-se que aconteceu uma carnificina atroz, com voos suicidas em direcção às árvores, muitas lágrimas a escorrerem pelos bicos e o desespero de uma inevitável travessia do deserto cujas consequências certamente deixarão muitos papagaios com as patinhas fora do tacho e outros com as asinhas implacavelmente chamuscadas.
Entretanto, curiosamente, enquanto alguns deles procuram minimizar os estragos, reunindo-se num esforço meritório para encontrar aquele que os pode conduzir à recuperação do poleiro, outros – os que andam ao milho na União Zoológica Europeia, e talvez porque as empresas de sondagens e os meios de comunicação ficaram totalmente arrasados pela tempestade – ainda não tiveram notícia da tragédia e, por isso, mantêm-se no seu cacarejar convicto, como se tivessem, mais uma vez, conseguido enganar os passarinhos de cabeça oca.

É o caso da Ana papagaio, uma ave de bico sempre aberto e pronto para desferir bicadas em todas as direcções, que fez chegar um pombo-correio ao Largo do Rato com uma mensagem onde recordava as velhas malfeitorias de um papagaio armado em pavão e aproveitava para recomendar que o não convidassem para integrar o novo governo cor-de-rosa – iniciativa que deixou o visado de penas em pé e mereceu a pronta e indignada reprovação do Lello papagaio, uma ave de rapina aciganada que sempre primou pela boa educação, designadamente quando, em tempos, de forma cortês, a terá equiparado a um rottweiler à solta ou quando, num cumprimento delicado, fez o obséquio de chamar foleiro ao cavaquinho sem cordas.
Estamos certos que os papagaios cor-de-rosa, que tanta falta fazem ao sobe e desce do poleiro, depois de ultrapassarem a crise antropofágica, hão-de voltar com a penugem já brilhante e os bicos bem afiados para acertarem contas com os rivais cor-de-laranja e mimosearem o Coelho nos seus primeiros passos como o novo rei da selva.